Eu disse a você sem dizer
Acho que a vida tem seu lirismo. Até vejo isso, quando begônias encontro no jardim, um jasmim destaco para ela, e sorrisos encantam meu coração a continuar a pulsar o pulso do dia a dia. Poesia que leio até no semáforo de trânsito, na impaciência dela que não desmancha o encanto, perpetuando o amor que tenho dentro de mim. Sou assim. As letras dizem isso.
Tudo o que é belo o é na profundidade, penso. É necessário coragem para enxergar isso. A beleza diz muito sem verso para metrificar o quanto podemos nos perder por essa magia. Pedra que afia as sensações do corpo apenas para entender um pouco, como é bonito ver o mar e, perdidamente, se apaixonar sem mergulhar nele. Eu mergulhei sem me molhar e lá fiquei. As letras testemunharam isso.
Mas alegria é quando chega no palco a idealização da vida, Dom Quixote que se anima, a ver além dos moinhos de ventos, a silhueta de quem se ama. Ah, Cupido até se cora, Byron denota, o que Álvarez de Azevedo mortificou de tanto sofrer pelo esplendor que tocava sua alma. Poeta assim é quando mora nesse lugar, olhos que não dão conta de olhar, a imersão de uma paixão. Emoção, desejo, apego e desassossego, energia que renova a idade, não deixando nada envelhecer, sendo o coração o último a perceber os anos que se vão. Contei tudo isso na minha solidão. As letras estavam comigo.
Contudo, ainda sou sortudo de ver a beleza das coisas, como a caneta azul à minha frente, o papel A4, simplesmente, esses objetos de escritório que deixa cinza o dia, sol de lâmpada fluorescente. Mas inquieto fico, aquarela que pinto, ao ver na caneta, minha próxima poesia, no papel, a crônica do dia, na luz que fica meu suspiro de inspiração, escuridão que se foi. Depois disso fico menino, um pinto no lixo, a me divertir com as emoções minhas e dos outros, sem ver no rosto o sorriso que sei que ela esboçou. Isso Deus notou. As letras santificaram isso.
E vou caminhando pela cidade, passando em mim todas as fases, desde aquela em que Mamãe penteava meu cabelo, a outra que em mim era só desespero. Fotografias surgem em minha mente, olho com lentidão a beleza por essas lentes, e não deixo de chorar em nenhuma delas, culpa de quem salgou o pranto. No entanto, de modo algum, fico nenhum, sendo alguém na memória alheia. E, novamente, vejo uma beleza na profundidade de ser um infinito enquanto dure, dando razão ao poeta, que isso, claro, não tinha. Tudo era saudade minha. As letras lembram isso.
Deveríamos fazer uma greve no mundo e parar por alguns minutos para respirar um pouco. Tirar a poeira dos olhos, milagrosamente enxergar de novo, e ver no outro a beleza escondida em segredo. Sim, eu parei para ver você, lupa que busquei por querer, apenas para entender sua profundidade. Sei que não foi milagre, suspeitava que havia algo, ainda que na multidão, nada se notasse. Porém, minha curiosidade e minha intuição levaram a esse tantão de coisas, presente que recebi ao ver uma beleza assim. Boquiaberto fiquei ao fim. As letras amaram isso em mim.
Um fim de tarde é algo lindo e magnífico. Olho pela janela a Aurora descendo mansamente por detrás das colinas. No meio alguém assobia, tira a minha atenção, pois estou em confusão de sentimentos, perdido e encontrado. A Dúvida me encanta, me chama para a dança, e eu não resisto a essa Menina que, sabiamente, não me dá esperança. De tarde fica mais poético, algo que venero, declarando com meu tato o que eu sinto da vida e do destino. Ouço o sino, catedral perto, e desse jeito eu confesso como eu acho belo os mistérios, tanto os sagrados como os profanos, preferindo o último sem engano, condenado estou, sussurros que me dizem ao pé do ouvido. De tudo isso fico rindo. Amando. Mais um pranto. As letras confessam isso.
A vida deveria ter mais poesia, bater cartão na alegria, usar da energia do cosmos para amar de verdade. Eu não entendo, e quem sabe por que escolhemos esse caminho, sendo que o outro é tanto mais lindo do que essa estrada de pedra e dividida em mão e contramão. Encaixotaram a gente em prédios, em ternos, maquiagens e máscaras, e a sensibilidade ficou perdida na avenida. Sou um mendigo no sinal, ninguém me vê, afinal, podendo ser eu o profeta que avisa: menos trabalho e mais festa. O economista ri de mim, liturgias sem serafins, mas a Menina me chama pra conversar, coloca seu dedo em minha boca e diz para não falar, tempo melhor aproveitado do que explicando o sexo dos anjos, filosofa ela. Ah, mistério feminino, você é um encanto, tanto como os lírios no campo ou a flor de Azaleia. As letras cultivam isso. Semeiam isso.
A despedida também tem sua beleza, aqueles desenlaces do abraço e o aperto que fica no peito para sempre. Ah, como é a minha mente, a coletar imagens de diversas despedidas em muitas paisagens, a decorar minha história, contos inacabados que são. No ato final, quando quem fica está a partir, os olhos narram, as mãos tremulam, as pernas paralisam e o coração não para, respiração alta e devagar. A distância aumenta, a proximidade encurta, e esse conflito, esse paradoxo, espreme a alma a apressar a eternidade de alguma forma, prece para ficar. As letras não desejam isso.
Mas a vida tem que continuar, caminhos precisam ser percorridos, e eu fico na frente dela com meu corpo feito um dicionário, gramaticando a angústia de um Menino. Dizendo sem colocar um ponto, falando sem usar uma palavra, implorando sem pedir, sorrindo sem rir, chorando sem se molhar. As letras não dizem isso. Mas os poros falam isso. Falam de uma beleza não dita, não escrita, mas sentida e guardada. Esperada, como as palavras apropriadas em despedidas. Existe alguma? Não sei. O que eu sei é que nesses momentos nos escrevemos por inteiro, estando em pedaços. Isso é o que eu acho, como achei as letras certas a preencher o ditado: era só estar lá com você. Essas eram as letras corretas a escrever. As palavras que eu soube entender. As palavras que um dia...
Eu disse a você sem dizer...
Adorável! 🥰
ResponderExcluirSeu texto é um relato profundo e tocante sobre as nuances das despedidas e do amor silencioso. As metáforas que você usou – o corpo como um dicionário, os sentimentos guardados nos poros, e as letras que não dizem tudo – criam uma imagem belíssima do ato de sentir sem necessariamente verbalizar.
ResponderExcluirAmei!🩷🌷
Texto maravilhoso! Parabéns! Relato profundo e emocionante. Demonstração de sentimentos...
ResponderExcluirÉ muito envolvente sua escrita. É estar presente
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