Uma carta de amor e amizade
Eu
penso que toda mudança causa um medo. Sair de um lugar ir para outro, trocar a
roupa e vestir uma diferente, trocar a comida por uma bem distinta, tudo isso,
a mudança, causa medo.
E
o medo é natural de vir porque ele é um aviso: cuidado. Chegamos até aqui como
humanos, como espécie, muito por causa do medo. Se não tivéssemos ele, o ser
humano, nós, sairíamos do lugar sem pensar e qualquer coisa nos exterminaria. Imagina
você viver numa caverna desde sempre e, do nada, sair dela e se encontrar com
uma fera, um animal feroz, e lhe roubar a vida? Sair deste lugar, não conhecer a
tempestade e, sem muitos passos, perder o sopro que tinha para um raio? Considere
que, ao sair do abrigo de antes, na sua primeira aventura, cortar-se em uma
pedra que alojava um vírus antigo incrustado ali, e morrer por isso? O medo nos
faz parar para refletir. Ele é parte da nossa evolução.
Mas
o pânico não.
Pânico
é paralisar. O medo faz você pensar. Ter pânico é se justificar o não feito. O
medo é pensar, depois da mudança, se foi certa ou não a decisão de sair da caverna.
Porém, é sair da caverna. O medo vem com a razão, no seu contraponto, sendo o
primeiro uma emoção e o outro um pensamento. Mas caminham juntos no tempo, da
espécie humana primitiva até agora, ao ser humano dito letrado, que acredita
saber sobre todas as coisas. Não sabe.
O
medo dá as mãos para a coragem. Esta o aconchega e depois expulsa, dizendo: vá!
O pânico te seduz, dizendo que é melhor ficar assim, porque as coisas são
assim, como, por exemplo, Deus quis. Deus não quis, porque este não deseja,
especialmente em interferência à sua criação, assunto de outro dia, quem sabe. O
pânico te envenena, tira a sua dignidade, e faz você morrer em vida. Suga sua
coragem e, assim, sua energia vital. O medo é necessário, essencial para chamar
a coragem e fazer mudar.
O
tempo é amigo da gente. Temos medo dele, mas não deveríamos. É um Deus também,
por isso o respeito. Mas o tempo é eloquente e paciente. Ele é eloquente porque
diz muitas coisas para nós, em gotas, para que um oceano não seja sua tempestade.
É uma amizade. Além disso, o tempo é paciente, pois, é sábio, adulto, um ser
experienciado. E nós somos crianças assustadas, querendo o fim sem antes da
passagem das páginas do livro, o encostar de dedos nas folhas, o sentir de cada
toque que é a vida acontecer. O final é um fim, sem graça e solitário. Porém,
os capítulos são a aventura de viver, a loucura proibida ou gostosa de possuir
um amor, o deleite de um banquete que sustenta o existir. A travessia, a
jornada, isso que o Tempo conta, são suas letras gravadas no destino, o livro
que se escreve desde o nascer. Morrer é o fim e é solitário. Viver não. Viver é
multidão. Um ato de coragem.
A
vida nos dá muitos tapas na cara. Sim, essa maldita é impiedosa, é como um amor
que teima em não nos corresponder, por mais que declaremos todas as nossas
forças a ela. Mas a vida é a nossa Mestra, a forja que nos coloca à prova, do
metal bruto ao refinamento de uma sutileza de uma joia. O ouro tá lá no fundo
da terra, sujo, sem forma, áspero e sem sentido. Sem significado, levando todos
os “tapas” da natureza, ao longo de uma era. Porém, um dia este metal é extraído,
cuidado, forjado, até se reduzir a um anel, um cordão, uma peça, extremamente
valiosos, milhões de cifras, nas mãos do comprador. Ninguém viu o que era o ouro
antes, feio, escuro e maltratado. Mas todos veneram o anel nas mãos de alguém.
A vida mostra isso para a gente. Amamos ela. Mas ela nos testa nas intempéries até
o dia em que nos transformamos em algo raro: o anel singular aos olhos dos
outros.
Nada
está em silêncio. Não existe nada imóvel. Tudo na natureza, na vida, no tempo,
é um caminhar para frente. A cada ação nossa, um correspondente nos mecanismos da
existência é feito, movimentado, girado. Uma decisão que tomamos jamais é única:
ela atinge a muitas pessoas. O medo faz pensar isso, o tempo nos mostra isso, e
a vida nos apresenta como fomos forjados, e os outros também. Se houvesse o
silêncio, não ouviríamos os ruídos dentro de nós e fora de nós, gritaria que
quer nos convencer de não agir. É o pânico, novamente, como uma Lilith na
noite, seduzindo para ficar na inércia, parado, congelado. Mas tudo flui, tudo
muda e vibra. Somos seres vibrantes antes de sermos pensantes. Temos um coração.
E se ele parar, não vivemos mais.
Mudar
requer rupturas, rompimentos, separação. A transformação ocorre aos envolvidos
no processo, como duas substâncias em uma reação química, que explode antes de
se criar a outra. Um capítulo de um livro se encerra ao vir outro, assim mais
novo, até toda a história acontecer. Um bolo é feito com a quebra de ovos, um
anel de ouro com a queima do metal nobre, a paz de uma sociedade a partir da
revolução. Choramos ao nascer, mudamos nosso corpo no viver e dificilmente amamos
antes de sofrer.
A
vida, essa maldita, bendita, é assim: um amor adolescente que queremos no colo,
mas se vai. A lembrança dolorida, a saudade disso nos forja, faz mudar, a
despeito de não desejarmos a mudança, ter medo dela. Mas é necessária, a mudança
é saudável, para que no aprimoramento de nós, sejamos melhores no por vir. Ter
medo faz parte, a coragem é a arte, de tudo isso acontecer. Viver é cada
instante único, que muda uma só vez e jamais é correspondente ou igual a outro.
O novo é fruto de uma velha mudança, hábito que, teimosamente, nos força e impele
a rejuvenescer.
Vamos
viver!
Lindo! Amei ❤️ ❤️ ❤️
ResponderExcluirHamilton ler
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