O desafio da academia


Uma célula, unidade do corpo, microcosmo de mim. Assim leio, não é nenhum devaneio, que lá no um tem mais do que isso. Mitocôndria eu lembro, organela penso, na estrutura citoplasmática, esse conjunto de archés da vida orgânica, faz um ser ser pensante dentro do Universo. Penso, logo, não nego. A célula também lembra um lego.

A brincadeira imitando a vida e eu imitando a arte. De qualquer parte, sei que o mundo é um mistério, em meio a muitos egos, movimento que devo fazer para correr disso e do que eu não quero ser. Praticar a atividade, de não saber sabendo, é árdua a todo custo, musculatura da alma pede para fortalecer. Só para não esquecer, água do Rio Lete não quero beber. Voltar para casa desejo. É onde eu quero ficar. Um pouco de água vai ajudar. Que sede!

Tudo isso por conta de uma coincidência que me acometeu. Logo eu, penso que isso não existe, brinquei com a dúvida para não chegar na conclusão. Fui desafiado, então, a escrever sobre academia, momentos depois de ler, pela segunda vez, a República de Platão. Olha só a confusão que vou me meter, correr na esteira não vai resolver, pois, sair do lugar preciso ir. Rir melhoraria a situação. Mas a querela é bem astuta! Só assim não consigo não.

O discípulo de Sócrates construiu uma Academia, para lá exercitar a mente e pensar filosofia. Disse Arístocles, seu nome verdadeiro, que o único jeito de aprender a filosofar seria por meio da ciência de medir e contar. Geometria era o ponto, tal como é a distância distante que tenho da barra fixa, pull up que meu braço não consegue alcançar, não me levando junto. Isso é demais um assunto, pão-de-queijo low-carb para você comer. Pode rir, não vou esmorecer.

Mas eu me esforço, na maiêutica socrática, ter a perspicácia de encontrar um exercício que eu consiga resolver. Desenvolver, como pude ouvir, de um personal que animava a postura de erguer o haltere. Tanto peso aquilo tinha, como a vida também, e não compreendi bem porque mais um eu deveria acrescentar. Lembrei da mitocôndria, e do meu glicogênio, o que fazia sentido quando uma fadiga eu sentia. Justifiquei minha falta de respiração e resistência, acusando ser segunda-feira, dia sem paciência. Mas logo ouvi a repreensão de que não, suplício meu que não encontrou razão, sobrando um supino para mim. Vou tentar a proeza então. Boa sorte, digo sim.

As sensações do meu corpo eram imperfeitas, mas a ideia era perfeita, de lograr sair dali. Contudo, o soma conecta à psichê, e os dois riam de mim pra valer, de que na hora do destino minha sina deveria se cumprir. Um dualismo diante de mim: pudim ou batata-doce, pizza ou beterraba, pote de whey ou sorvete, questões cruciais na academia do corpo e da alma. Colher de sopa ou balança? Esticar na prancha ou na cama? Dialética que não se aplicaria facilmente assim. Pode um quindim?

A vida é curta e a comida fitness é mais ainda. Eu até gosto de alface e couve, tenho minha cota no prato, alimento na inclusão, mas é uma tentação Whopper e Big Mac. O Capiroto nos seduz facilmente, as paixões enganam a mente, no que depurar-se das ilusões uma filosofia da academia deve ser. Xenofonte deve ter aprendido isso fazendo spinning, apesar de nunca ter lido esse discurso de Platão. Indicaram, mesmo assim, o exercício para mim. Solilóquios de minha exaustão.

Já havia passado uma meia hora no relógio e uma eternidade em meu pensamento. Tempo psicológico é diferente, uma realidade presente, que prolonga ou encurta os minutos a depender do que se vive. Sobrevive, pois, depois daquilo que disseram ser rosca direta, uma linha reta para os meus braços não existia mais. A geometria de meus membros superiores ficou em noventa graus, e não há nada mais abissal, do que sentir os miócitos deslizarem em actina e miosina, reivindicando a fuga da caverna para logo ver a luz do sol. Não queria ficar acorrentado e nem quebrado. Alma é a inteligência que anima o corpo. E meu estado espiritual, depois daquilo, era só sufoco!

Porém, ouvi um tanto de gente dizendo que ficava feliz após esse martírio. Surpreso fiquei, em um clássico assombro filosófico, e perguntei o que é a felicidade. Um silêncio se fez, o ambiente todo refez a direção dos olhos para mim, tendo ao fundo Gusttavo Lima como trilha sonora. “Que pena que acabou”, era a música do sertanejo, mas longe de ser o jeito de terminar depois da minha indagação. Sugeri uma reflexão, e alguns livros de Platão, para deixar o ponto ser desenvolvido. Disse que eu era amigo, da física e da sofia, por isso ali eu estava. Uma aproximação se fez, meu espanto também, e as pessoas começaram a se perguntar o propósito disso tudo. Vi a ocasião, mas não de ser o ladrão, de furtar o momento vivido por eles, já que felicidade reside na mente e no coração, músculo que não para de exercitar. Dei a sugestão e fui para a remada curvada, livrando-me de uma sinuosidade apresentada. Doce inocência minha. Aí, que dor!

Tempo passado, corpo exercitado, mente com mais energia. Da física a metafísica, uni corpo e alma na melhor harmonia, o universo meu em equilíbrio. Esse já foi o ditado, do povo grego no passado, de uma verdade atemporal: mente sã em um corpo são. A vida é uma dádiva, intervalo no cosmos, uma imperfeição perfeita que precisamos cuidar, lição que fica. Vou me aprofundar nos mistérios, tanto da filosofia como da physis, dialogando física e metafísica, dois para serem um. Ao fim que fique o uno, complexo que é o ser humano, máquina corpórea e pensante, não sendo eu mais errante na arte de cuidar, tanto do corpo como da alma. É para ter calma? Acho que não.

Elevação lateral é o próximo desafio! Dessa eu queria escapar, meu amigo.



Que pena que acabou, Gusttavo Lima - trilha sonora desta crônica


 

Comentários

Postagens mais visitadas